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quinta-feira, 2 de março de 2006

Lembranças do carnaval

Gostar é uma coisa, participar é outra

"Findo o carnaval, nas cinzas pude perceber
Na apuração perdi você (pois é, dancei)"
Jorge Aragão (Enredo do meu samba)

Eu adoro carnaval. Acho uma época fantástica, o clima de alegria, a descontração e a animação país afora. São feriados de muito calor, dá uma impressão de irresponsabilidade, as pessoas parecem mais felizes e tudo é colorido, livre, solto. Eu acho o carnaval a festa da esbórnia, por excelência. E é. Afinal, essa era a grande festa pagã da carne (a carne vã, carneval, carnaval) que foi adotada pelo cristianismo, para marcar o início da quaresma, época de jejum e penitência em que se deveria fazer uma reavaliação da vida, muita oração e uma outra festa no final, de renascimento, a páscoa.

Cada um aproveita como prefere

''Tomara que chova três dias sem parar, tomara que chova três dias sem parar
A minha grande mágoa é lá em casa não ter água, eu preciso me lavar"
Paquito (Tomara que chova)

Sempre no carnaval eu durmo muito, bebo razoavelmente (não sou de encher a cara, mas gosto muito de cerveja), faço meus churrascos, assisto uns filmes, às vezes estudo um pouco - meu novo desafio é a linguagem PHP, para melhorar meu site - enfim, tudo menos samba e suor. Nem assisto ao desfile das escolas de samba pela TV, prefiro alugar um DVD e ficar analisando os extras. Neste ano eu tentei conseguir a série "Kingdom Hospital", do Stephen King, mas não encontrei em lugar nenhum. Êta, cidadezinha pobre, essa minha. Além disso a minha filha mais velha resolveu ir aos bailes em um clube e eu tive que levar e buscar depois, nada que tenha me deixado revoltado. Enfim, carnaval pra mim é descanso, moleza, preguiça...

Mas já não é o mesmo

"Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções"
Carlos Lira/Vinícius (Marcha de quarta-feira de cinzas)

Só que agora o carnaval mudou muito. Já não se ouvem músicas 'de carnaval', a violência é uma preocupação constante, o modelo exportado de micaretas, bicaretas, picaretas pelo país afora e em épocas diferentes do ano. Virou uma indústria de milhões, como quase tudo o mais por aí. Já se foi a época em que era uma brincadeira inocente na rua, com bandinhas tocando marchas e as crianças enchendo a boca dos outros de confetes. Hoje a festa é profissional, planejamento, cordão de isolamento, desfile, som, iluminação, segurança (?), TV, transmissão. Hoje o carnaval não é mais festa, é investimento.

Culpa dos cariocas

"Enquanto a malandragem fazia a cabeça
O indicador do defunto tremia"
Bezerra da Silva (Defunto caguete)

Os cariocas se julgam 'donos' do carnaval, mas na minha humilde opinião são os responsáveis pelo início da esculhambação da festa. Tá, você pode argumentar que carnaval é, por definição, uma festa esculhambada, mas organizar esculhambação já é demais. Eu não concordo com o luxo das 'escolas de samba' (pô, precisa escola pra samba? E aquela máxima que diz que samba não se aprende na escola?!?), dos seus desfiles cheios de regras, competição com notas em que se contam centésimos de pontos, campeonato, plumas, paetês, propinas de empresas estrangeiras e orçamentos milionários. Além disso, todo esse esquema está nas mãos de traficantes, todo mundo sabe disso. Tráfico é crime organizado, muito mais organizado do que o nosso governo eleito. Tráfico é violência, morte, degradação. É isso o carnaval carioca, uma interface bonita para o lixo do Rio. Parece até o windows.

Culpa dos baianos

"Todo dia é de festa na Bahia
E o trio irradia alegria
Farol ilumina Salvador"
Netinho (Beijo na boca)

Cada um tem o carnaval que merece. Na Bahia apereceu a praga do axé, mistura indigesta dos ritmos afro-brasileiros com a mixórdia afro-espanhola do caribe. Ou seja, uma coisa inventada que ninguém mais sabe de onde veio nem pra onde vai (acho que eu ainda estou falando do windows...). Passa longe do samba. Foi exportado com os trios elétricos para todo o país, virou coisa de gente grande (grande de grana) e tomou conta. Agora até no Rio se faz carnaval com axé. Pior: os defensores de outros ritmos e estilos resolveram também botar as mangas de fora e o carnaval assumiu ares regionais: com raggae no Maranhão, com boi-bumbá no Pará, e sabe-se lá mais o que. Falta um carnaval em Mato Grosso do Sul com polca e chamamé, até que ia ser interessante...

Culpa da TV

"Porque o samba nasceu lá na Bahia, e se hoje ele é branco na poesia
Se hoje é branco na poesia, ele é negro e demais no coração"
Baden Powel/Vinícius (Samba da bênção)

Samba? Que nada! Já se foi o tempo. Não é samba o que se toca nos desfiles, nem nas fesas, nem nos clubes ou nas ruas. Arremedo do que já foi "o" ritmo do Brasil e do carnaval. O carnaval já não é festa popular, é festa da TV, dos políticos, dos camarotes, dos gringos, dos bandidos, das grandes empresas, das bichas, dos trios eléticos, dos computadores, da grana. O carnaval já foi. Agora é dormir, tomar cerveja e assar churrasco, que é melhor.

Culpa minha

"Sei que assim falando pensas que esse desespero é moda em 76
Eu quero é que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês"
Belchior (À Palo Seco)

Parece que eu vivi há cento e tantos anos a glória e a inocência dos passados carnavais e tive um surto de saudosismo, mas a verdade é que eu nunca gostei de bailes de carnaval. Não por isso nem aquilo, é que eu não gosto de nada que reúna muita gente. Quem me conhece sabe que eu sou meio eremita e estou piorando a cada ano. Gosto da solidão, me sinto bem comigo mesmo e a companhia de seres humanos cada vez menos me faz falta. Assim, nunca fui entusiasta de carnaval, mas eu gosto da idéia da coisa. Tá, não vou negar que já fui a festas, na minha adolescência e até depois disso, mas nunca me entusiaismei com a idéia. Ia, pra não parecer diferente do resto do mundo, ia na turma, mas achava aquilo tudo muito esquisito, muita gente suando e fedendo, uma briga ali, uma maconha aqui, um bando de machos loucos procurando mulher ou confusão... eu saía sempre sozinho, cansado, sujo, desgostoso. Quando eu descobri que eu não precisava IR no carnaval para ser normal foi a glória. Eu podia arrumar namorada de outro jeito. Eu podia me divertir ou até curtir o carnaval de outras formas. E sou assim até hoje. E estou piorando.

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