Normas

Da Paraíba para o mundo, com amor:

Todo o material publicado nesta página representa o ponto de vista parcial e preconceituoso de um indivíduo do século passado. Se você achar aqui afirmativas que lhe pareçam sexistas, xenófobas, racistas ou, de qualquer outra maneira, ofensivas a seus pontos de vista, pare de ler imediatamente. Ou prossiga, a seu próprio risco. Ou não.

Use antes de agitar: leia as normas do blog e lembre-se: comentários são moderados. Anônimos não serão publicados.

E aproveite que eu sou professor: se você achar que eu posso ajudar, mande um e-mail para mrteeth@ghersel.com.br

sexta-feira, 31 de março de 2006

$$$$ - quanto?!?

"Comprei uma cadeira lá na praça da bandeira
Ali vou me defendendo
Pegando firme dá pra tirar mais 1000 por mês"
Adoniran Barbosa (Vide verso meu endereço)

Deu no New-ABO-Times:

Um grupo de representantes de mais de 70 associações, entre elas a Associação Brasileira de Odontologia (ABO), representada pelo seu vice-presidente, Luiz Roberto Craveiro Campos, foi ao senado reclamar da MP 275, que reajusta a tabela de imposto. Veja o que se diz na notícia, para justificar tamanha empresa:

*grifos meus

A MP 275 reajusta as faixas de faturamento para enquadramento no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples), de R$ 120 mil para R$ 240 mil (microempresas) e de R$ 1,2 milhão para R$ 2,4 milhão (pequenas empresas).
Esse, no entanto, não é o problema. Acontece que, em contrapartida, o governo federal elevou de 8,6% para 12,6% as alíquotas para empresas que tiveram ganho superior a R$ 1,2 milhão por ano. Ou seja, o Fisco finge que corrige a tabela do Simples e ao mesmo tempo eleva a tributação.


Peraí, deixa eu ver se entendi direito: tem dentista por aí ganhando mais de R$ 1,2 milhão por ano?!? Ôpa, eu também quero!!! Eu não sei o que eles fazem pra ganhar tanto dinheiro, não pode ser só com Odontologia, ou então eu estou no caminho errado. Um conhecido me disse, uma vez, que eu estudo e trabalho demais, não tenho tempo pra ganhar dinheiro. Deve ser verdade, porque, fazendo as contas, grosseiramente, dá $ 100.000,00 por mês!

Deputados e deputadas: se um dentista ganha cem mil bagarotes por mês no consultório eu sou mico de circo. Me passem a banana, por favor.

quarta-feira, 29 de março de 2006

Uuuuuuutil!

"Inútil
A gente somos inútil"
Ultraje a Rigor (Inútil)*
*Eu sei que essa música não é do "Ultraje a Rigor", mas nem o São Google conseguiu descobrir o nome do autor.

Uma empresa japonesa lança no mercado um guarda-chuva que avisa se vai chover. Agora eu pergunto: se você está na rua, com um guarda-chuva na mão, qual a utilidade dessa informação?!?

terça-feira, 28 de março de 2006

Sobre meninos e lobos - epílogo

"Só posso dizer: chapeuzinho agora traz
Um lobo na coleira que não janta nunca mais"
Winson Simonal (Lobo bobo)

Não há como domar um lobo. O maior sonho da mulher é domar o lobo do homem, mas não há como. Pode bater, pode agradar, fazer de tudo, ele até parece manso, mas se sair, volta a ser selvagem. A maioria das mulheres convive em relativo equilíbrio com isso, procura se manter longe quando o homem solta o bicho, acha até engraçado e só se aproxima quando ele volta para a jaula e é seguro chegar perto, mas tem algumas que fazem questão de não aceitar.

Algumas, na tentativa de domar, matam o lobo. O resultado é que o homem se torna imprestável como homem. O que torna o homem um homem é exatamente o lobo. Sem ele, pode-se ganhar dinheiro, pode-se ter carinho, filhos, casa, carro, posição, aparência, mas não se tem um homem. Homens dependem dos lobos, e vice-e-versa. Ao contrário do lobo solitário, que pode se tornar um não-lobo, o lobo morto não pode ser recuperado. E a mulher, depois de matar o bicho, vai embora reclamando que o homem não é mais o mesmo.

quinta-feira, 23 de março de 2006

Sobre meninos e lobos - prólogo

"Era uma vez um lobo mau
Que resolveu jantar alguém"
Wilson Simonal (Lobo bobo)

Todo homem tem um lobo dentro de si. A maior parte dos homens consegue manter seu lobo na jaula a maior parte do tempo, mas lobos são complicados, selvagens, precisam de um passeio, de de vez em quando. Normalmente alguns minutos fora da jaula, durante um jogo de futebol, uma pescaria ou uma simples reunião com amigos é suficiente para os lobos ficarem satisfeitos e voltarem plácidos às suas jaulas, mas isso não significa que eles ficarão quietos até a próxima semana.

Às vezes o lobo escapa. Pode ser por um pequeno descuido, por um motivo aparentemente pífio, alguém se esqueceu de dar a segunda volta na chave e, depois de muito provocado, um pequeno esbarrão na jaula faz a porta se abrir e o bicho sai. E sai fazendo estragos, grita palavrões, quebra os móveis, às vezes até morde alguém que está perto. Depois volta pra jaula de novo, deixando seu dono em uma situação complicada: explicar como aquele bicho selvagem apareceu no meio da festa e fez aquela confusão toda.

Lobos são incontroláveis. Você pode ver o bicho dentro da jaula, dormindo, e achar que é só um cachorro crescido, mas ali está algo com um poder explosivo que poucos compreendem. Acalmar lobos e satisfazer sua necessidade de selvageria é coisa que demanda muita energia, uma boa dose de coragem e tempo. Lobos precisam sair, quebrar coisas, bater, morder, mijar nas árvores e uivar com outros lobos. Lobos solitários deixam, muitas vezes de ser lobos para se tornar um híbrido de avestruz e carneiro. Um bicho que não rosna, não morde e não uiva, e ao menor sinal de perigo enfia a cabeça em um buraco no chão.

segunda-feira, 20 de março de 2006

O CD do Galvão

"Foi nos bailes da vida ou num bar, em troca de pão
Que muita gente boa pôs o pé na profissão"
Milton Nascimento (Nos bailes da vida)

Sexta-feira eu quase ganhei um CD do Galvão, pessoa nota 10 e músico melhor ainda. Ele ia me dar o CD, mas como eu também sou músico (nem chego aos pés do Galvão, claro) eu perguntei quanto era. Ele, muito envergonhado, disse o preço e eu paguei. Foi barato, que o disco é ótimo!

São 14 composições dele, edição caprichadíssima (encarte com obras de Portinari!) e um som de primeira. Vou me permitir comentar as minhas preferidas:
  • Outra Cena: Lembra os melhores momendos do Edu Lobo, que com certeza foi a inspiração desta música. Letra delicada, de saudade e melodia mansa, daquelas que a gente não se cansa de ouvir.
  • Aboio: O Galvão chamou isso de xote-jazz. Na hora que eu li, não entendi, tive que ouvir a batida sincopada, com o triângulo marcando o tempo quebrado. Fantástico. Desculpe, Gavão, nem ouvi a letra, tanto que gostei da música.
  • 500.com.br: Aqui a letra é que é a estrela, a brincadeira com as palavras e com o sentido do subtítulo, site do meu país, que na hora de cantar vira sai-te do meu país.
  • Valsa Rendeira: Me trouxe à memória as harmonias sofisticadas das valsas do Tom Jobim, como Luiza e Beatriz. Um luxo!
  • Campo Grande: É um samba mais batidinho do que a levada bossa-nova do restante do disco, por isso é uma delícia de ouvir. Eu já conhecia a música, homenagem à cidade que ouve 'sertanojo' e, quando muito, polca e guarânia. E a ironia da letra, no final, é impagável.

Não vou falar de todas, que o post ia ficar muito grande e vai ficar parecendo que eu estou puxando o saco do cara, podem achar que é viadagem minha... mas o fato é que o disco é ótimo, estou ouvindo direto. Recomendo. Prometo, depois, colocar um link aqui para o site dele.

quinta-feira, 16 de março de 2006

Carta de um dentista revoltado

Esta me foi mandada hoje, por um amigo que não é dentista mas conhece bem a realidade que nós enfrentamos no dia-a-dia:
Obs.: eu tomei a liberdade de trocar alguns termos com os quais não concordava, como por exemplo, troquei os 'vc' por você, só para não deixar o texto com cara de que foi escrito em 'miguxês'.

"Larguei a maldita odontologia após assistir a reportagem da Vigilância Sanitária no Gugu, eis a explicação: Um cara vendendo cachorro-quente com a salsicha estragada, maionese fora da geladeira e no sol no banco da frente do carro, com purê de batata marrom-esverdeado, fatura LÍQUIDO (ISSO MESMO, LÍQUIDO) R$ 200,00 por dia!!!!!!!!! Isso dá R$ 6.000,00 (seis mil) por mês!!!!!!!!!!! Sendo assim estou montado uma barraquinha de cachorro-quente. Isso porque:

1) Pra que tanta responsabilidade se coisas muito mais simples dão muito mais dinheiro e muito menos problemas?

2) O Cachorro-quente podre por 2,50 é uma pechincha... mas a restauração por 25,00... Porra dotô, cê tá maluco?! Tudo isso pa pô uma massinha?! Tá enchendo o rabo de dinheiro, hein?! E depois de ouvir tudo isso você ainda tem de ser simpático, encher uma maldita luva e fazer de bexiga pro filho dele cheio de ramela, que pula feito um macaco no sofá da sua sala de espera, brincar e ainda dizer "Volte sempre, foi um prazer" quando na verdade a sua vontade é chutar aquele moleque e cravar um Le Cron no olho do pai dele.

3) Pra que se preocupar com parestesias, seios maxilares, espaço biológico, conicidades do preparo, trepanações, etc; se vendendo Roti-doguis a única iatrogenia que você pode causar ao paciente é uma caganeira (sic) temporária que ele nunca vai saber se foi o Roti-dogui do seu carrinho ou o pastér di parmito com guarapa do dia anterior.

4) Biossegurança... por incrível que pareça a mesma mão que pega o dinheiro faz o sanduba! Não é necessário gastar R$ 3.000,00 numa autoclave para esterelizar o pegador de salsichas.

5) A maionese, o purê de batatas e as salsichas são muito mais baratos que alginato, siliconas e resinas.

6) Não tem que pagar Sindicato dos Dogueiros, nem associação Paulista dos Roti Dogueiros, nem taxas sobre a maionese, a mostarda e a batata palha.

7) Se a ANVISA aparecer, a única coisa que você vai ter de fazer é lavar o seu carrinho com cloro e comprar salsichas, batatas e maioneses dentro do prazo de validade. Não vai ter de gastar uma fortuna com proteções para Raio-x, caixas descarpack, etc., etc., etc...

8) Vendendo Roti-doguis você estará preenchendo as cavidades abertas e as bolsas periodontais do seus clientes com a massa do sanduba na hora do almoço, já que ele tem de comer rapidinho que tem consulta marcada no dentista para as 13:30h e não vai dar tempo nem de escovar o dente... mas foda-se, o ladrão filho da puta cobra 25,00 pra por uma massinha..."

Hehehe, e depois ainda me chamam de ranzinza. O pior é que isso acontece com muito mais frequência do que nós gostaríamos de admitir. Eu comentava ainda hoje sobre a desproporção da responsabilidade de juízes de direito e médicos, com outro amigo: se um juiz erra, por mais que tenha detonado com a vida da infeliz vítima de seu erro, outro juiz vem e resolve, colocando 'panos quentes'. Se um médico erra, valha-me deus! E os advogados ainda não descobriram os dentistas (esconjuro!)

segunda-feira, 13 de março de 2006

Miriam Mourão

"Só o aventureiro é capaz de partir e não voltar mais
Se realizar, depois sonhar, então morrer"
Almir Sater (Missões naturais)

O câncer levou uma querida amiga, Miriam, que era uma luz em um mundo de trevas. Uma pessoa que sonhava mudar o mundo, mas não para ela, e sim para os que tinham menos, para os que sofriam, para os que sonhavam.

Alma extrema, caridosa, guerreira. Deixa saudades em muita, mas muita gente mesmo.

Vai, Miriam, vai tentar mudar o céu!

sábado, 11 de março de 2006

Inseminação artificial

"Te faço um filho, te dou outra vida
Pra te mostrar quem sou"
Cazuza (Faz parte do meu show)

Eu, Birico e Giláo (Giláo é o meu pai) temos uma criação de rãs incipiente. Tava difícil fazer os bichinhos se reproduzirem até que o Birico e o Giláo resolveram pedir ajuda a uns entendidos lá de Botucatu. Um deles veio e ensinou como é que se faz. Pois hoje nós fomos lá, fazer carinho nas rãs para ver se conseguimos uns filhotes. E não é que deu certo?

O Giláo injetou hormônios nos bichos anteontem, ontem e hoje. Isso para as moças, que os rapazes só tomam uma dose, uma hora antes do vamos-ver. Quando as moças estavam prontas, o Birico enfiou uma pipeta na cloaca de um dos rapazes (eram seis, ao todo: Curu, Preto, Sesto, Mu, Doido e Gordo) e espremeu a barriga do infeliz até conseguir 1,5ml de esperma. Era o Sesto, que gemeu durante o processo mas colaborou como um bom menino. "Êta, Sesto, tá pensando que a vida é só comer ração e dormir?" Era o Barba, que trabalha lá no ranário, alimentando e limpando os bichos. Depois foi a vez dos outros, um por um, colaborarem com a sua parte para o nosso belo quadro social (Raul vive!).

Quando tínhamos 20 ml de bom esperma, foi a vez das moças. Lila foi a primeira, e não quis saber de conversa: recusou-se a colaborar. Thai também estava indisposta, mas a Minga nos forneceu 10g de ovos pretinhos, que foram imediatamente fertilizados por 0,5ml do esperma dos rapazes, que tinha sido todo misturado. A Minga, depois de alguns minutos, estava pronta pra outra e mandou ver mais 10g. Enquanto isso a Lila e a Thai só olhavam o que acontecia, impassíveis, como costumam ser as rãs. Nisso eu fui comprar umas skóis, que nós estávamos com sede. Enquanto eu fui lá, a Lila forneceu 30g ( ! ) de belíssimos ovos e, quando eu cheguei, eles estavam sendo fertilizados. O Giláo pediu que eu segurasse um saco plástico enquanto ele derramava a água com ovos, esperma, albumina e outras químicas invisíveis. Depois foi encher o restante do saco com oxigênio puro e amarrar a boca.

O Sesto estava exausto, então os outros rapazes passaram a fornecer esperma enquanto a Thai foi espremida até expelir seus ovos. Ela olhou pra mim como quem diz "eu não queria que fosse na sua frente, mas não consegui evitar, desculpe...". Eu a desculpei. O Barba foi buscar outra skol.

Agora era a vez do Gordo fornecer o esperma. Mal o Birico o pegou e já começou a esguichar o líquido, nem precisou espremer (acho que era medo, o Birico é forte...), quase nem deu tempo de pipetar. Mas o campeão foi o Preto. Encheu quatro pipetas (de 2ml cada) e ainda olhava com cara de 'quero mais'. Acho que ele estava flertando com a Lila, mas ela não ligou. Ela estava com dor de cabeça, eu acho. O Giláo gritou: "Teeth, segura o saco!" Alguns ovos caíram pra fora e eu tive que catar, mas no final deu tudo certo. Agora temos mais de 500 girinos, nadando felizes dentro de duas caixas d'água. Semana que vem tem mais. Meninos, aguardem!

sexta-feira, 10 de março de 2006

Impressões

"Os dente, farta dois na frente
Mas fico contente se ela ri pra mim "
Ari Toledo (Linda, meu bem)

Que não existem duas bocas iguais no mundo qualquer estudante de odontologia do primeiro ano sabe. A grande novidade agora é a possibilidade de se utilizarem essas características únicas dos dentes de cada vivente (ou até mesmo morto) para identificá-lo. Seriam usadas impressões dentais ao invés de digitais:

Em vez da impressão digital, a impressão “dental”. Pesquisadores da Faculdade de Odontologia da Unicamp descobriram que cada dente possui marcas que são como uma assinatura. Ou seja, a exemplo da íris e das digitais, que são únicas para cada ser humano, o esmalte dos dentes também pode servir para identificar pessoas.

No caso de um criminoso deixar uma marca de mordida no local do crime vai ser fácil indentificar, porém há uma saída: os bandidos podem, como forma de evitar a identificação, 'arrancar' os dentes naturais e mandar fazer dentaduras específicas para cada crime. Por exemplo, para os políticos, dentaduras com caninos bem longos, como de vampiros. Vai combinar bem.

quarta-feira, 8 de março de 2006

Sotaques

"Na beira da lagoa foram ensaiar, para começar, o tico-tico no fubá
A voz do pato era mesmo um desacato"
João Gilberto (O pato)

Já que me acham ranzinza mesmo, eu vou reclamar mais: ontem ouvi um músico, desses de bar, cantando a música "Cuitelinho". Essa música, pouca gente sabe, é originária do folclore do Pantanal de Mato Grosso do Sul. Da região sul do pantanal - e pra quem não sabe também, o pantanal fica muito mais em Mato Grosso do Sul (3/4) do que no Mato Grosso. Pois cuitelinho, para os pantaneiros da região do Nabileque e da Nhecolândia, é o nome pelo qual é conhecido o beija-flor. O detalhe é que essa região fica na fronteira do Paraguai, onde o sotaque é muito particular, principalmente a pronúncia das vogais fechadas, fazendo com que a palavra soe "cuitêlinho" (claro, é uma palavra paroxítona, eu coloquei o acento só para indicar a pronúncia do ê, fechado).

Só que, um belo dia, um certo Paulo Vanzolini, aquele mesmo, autor de Ronda (de noite, eu rondo a cidade, a te procurar, sem encontrar...) achou a música bonita e saiu por aí cantando. Xavantinho e Pena Branca gravaram. Milton Nascimento gravou. Em ambas as gravações, no crédito da música, aparece: "Recolhida por Paulo Vanzolini". Peraí: recolhida de onde, cara pálida?

Mas o pior não é isso: o pior é que tanto Xavantinho e Pena Branca como Milton Nascimento imprimiram um sotaque do norte de Minas, fazendo o 'cuitêlinho' virar 'cuitélinho'. Como a música ficou relativamente famosa nessas vozes, até o povo daqui de Mato Grosso do Sul agora canta assim, 'cuitélinho'.

Então, só pra confirmar as raízes da canção, vou colocar aqui a letra, coisa que não costumo fazer.

Cuitelinho
Folclore do Pantanal de Mato Grosso do Sul

Cheguei na beira do porto, onde as ondas se espaia
As garça dá meia vorta e senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia

Quado eu vim de minha terra, despedi da parentaia
Eu entrei no Mato Grosso, dei em terras paraguaia*
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes bataia

A tua saudade corta feito aço de navaia
O coração fica afrito, bate uma a outra faia
E os óio se enche d'água
Que até a vista se atrapaia

* Sobre esse verso existem duas curiosidades: a primeira é que, há 28 anos atrás, o estado de Mato Grosso foi dividido e, dessa divisão, criou-se o estado de Mato Grosso do Sul. Até hoje tem gente que não sabe que são dois estados e confunde tudo. A segunda é que Xavantinho e Pena Branca não gostavam de cantar a letra, que diz 'dei em terras...', eles achavam isso feio. Eles eram machos pacas!

segunda-feira, 6 de março de 2006

O ranzinza

"Acordar sempre com o mesmo sermão,
Aturar o mau humor do teu cão: ninguém merece"
Zeca Pagodinho (Ninguém merece)

Às vezes eu recebo um e-mail reclamando que eu não gosto da odontologia, que eu sou muito crítico, perguntando o porque de toda essa negatividade. Hoje chegou um, pena que o autor não se identificou:

Anonymous sayd:
Dr Teeth, vejo que tem boa formacao por que tamanha infelicidade, a odontologia esta bem ruim assim ?? Qual e a sua especialidade ?

Então eu vou responder aqui: não é que eu não goste de odontologia, nem que a profissão seja ruim ou esteja tãããããão detonada. É que eu me revolto com algumas coisas que acontecem e escolhi este blog para reclamar. Eu sou ortodontista e professor, já tive minha participação em entidades de classe e colaborei com uma série de eventos que eu acredito que foram importantes para melhorar as condições em que os cirurgiões dentistas trabalham. Mas eu fico louco quando vejo gente que estudou muito pouco ganhando muito dinheiro à custa de propaganda.

Todo mundo deve ter direito ao seu lugar ao sol. As pessoas estudam, investem em suas carreiras, sofrem, se dedicam, tudo isso por dois motivos bem simples: primeiro porque se você vai ser um cirurgião dentista, seja um dos bons. Proporcione ao seu cliente um tratamento de qualidade, no mínimo da melhor qualidade que você é capaz de proporcionar. Isso quer dizer que você não deve se meter a fazer o que não sabe. Se você não estudou implantologia, não se meta a fazer implante só porque viu uma palestra no congresso e achou fácil. Ou porque isso dá mais dinheiro do que fazer tratamento de canal. Faça o que você sabe fazer direito, estude e seja um bom profissional.

O segundo motivo porque um profissional estuda e se dedica é que isso deveria trazer uma compensação financeira a ele. Ora, um bom profissional, que estuda, se atualiza, sabe o que está fazendo e proporciona um tratamento de boa qualidade ao cliente deveria ser bem pago por isso, não é? Só que não é bem isso o que acontece. Aquele que 'perde' seu tempo estudando acaba ganhando menos do que o que aproveita o tempo fazendo marketing. Então nós temos o paradoxo do dentista que não estudou, não se dedicou, não se atualizou, mas tem um marketing de primeira, ganhando clientes daquele que ficou ralando na escola.

Então, não é que eu seja negativo ou infeliz. Eu adoro a minha profissão, me realizo muito com ela e consigo, a duras penas, sustentar a minha família. É que este blog é pra reclamar mesmo, pra meter a boca, xingar, difamar e incitar a revolta. Quem sabe assim eu faço como o passarinho que jogava uma gota de água sobre o incêndio da floresta: faço o que posso, faço a minha parte. Falo muito sobre isso com os meus alunos, também, mas eles são obrigados a me ouvir, porque eu sou o professor. Aqui, lê quem quer. Quem sabe mais pessoas lêem as minhas malcriações e se sintam na pele dos que querem um mundo melhor.

sexta-feira, 3 de março de 2006

Sinal fechado

"Pra semana, o sinal
Eu procuro a você, vai abrir, vai abrir"
Paulinho da Viola (Sinal Fechado)


Quinta-feira, 01:30 da madrugada, Mr. Teeth voltando pra casa de carro. Chego a uma esquina e vejo um carro, sozinho no meio da rua, parado. Acho estranho, àquela hora, alguém parado no meio da rua, mas entendi: o infeliz estava parado em um sinal fechado! Pois vejam como são as convenções, em plena madrugada, o cara pára para uma luz vermelha, fica olhando para ela, hipnotizado, até que ela se apague e a verde acenda. É capaz de passar a noite ali, se o sinal for comandado por um computador com windows travado: "Este programa executou uma operação ilegal e será fechado - aperte qualquer tecla", e o operador que deveria apertar a tecla está dormindo e babando em cima do teclado.

Em tempos de CPI's e mensalões, é uma pouca vergonha a gente ficar obedecendo a essas convenções anacrônicas, com medo de aparecer um guarda - e, acreditem, é capaz de aparecer um, de moto, a essa hora pra multar o pobre-coitado - e ter que, além de pagar multa, levar 1500 pontos na carteira, ser chicoteado em praça pública e castrado. Hoje tem que ter lei para que os meritíssimos juízes não contratem seus queridos parentes para os cargos que deveriam ter concurso, e nós continuamos parando no sinal vermelho de madrugada.

O pior de tudo é que além do risco de levar uma multa, corremos também o risco de um assalto (bem menos provável a essas horas, que os assaltantes já foram dormir), mas bem mais violento, porque os assaltantes de sinal usam revólveres. Os assaltantes de Brasília usam canetas. E não dormem cedo.

quinta-feira, 2 de março de 2006

Lembranças do carnaval

Gostar é uma coisa, participar é outra

"Findo o carnaval, nas cinzas pude perceber
Na apuração perdi você (pois é, dancei)"
Jorge Aragão (Enredo do meu samba)

Eu adoro carnaval. Acho uma época fantástica, o clima de alegria, a descontração e a animação país afora. São feriados de muito calor, dá uma impressão de irresponsabilidade, as pessoas parecem mais felizes e tudo é colorido, livre, solto. Eu acho o carnaval a festa da esbórnia, por excelência. E é. Afinal, essa era a grande festa pagã da carne (a carne vã, carneval, carnaval) que foi adotada pelo cristianismo, para marcar o início da quaresma, época de jejum e penitência em que se deveria fazer uma reavaliação da vida, muita oração e uma outra festa no final, de renascimento, a páscoa.

Cada um aproveita como prefere

''Tomara que chova três dias sem parar, tomara que chova três dias sem parar
A minha grande mágoa é lá em casa não ter água, eu preciso me lavar"
Paquito (Tomara que chova)

Sempre no carnaval eu durmo muito, bebo razoavelmente (não sou de encher a cara, mas gosto muito de cerveja), faço meus churrascos, assisto uns filmes, às vezes estudo um pouco - meu novo desafio é a linguagem PHP, para melhorar meu site - enfim, tudo menos samba e suor. Nem assisto ao desfile das escolas de samba pela TV, prefiro alugar um DVD e ficar analisando os extras. Neste ano eu tentei conseguir a série "Kingdom Hospital", do Stephen King, mas não encontrei em lugar nenhum. Êta, cidadezinha pobre, essa minha. Além disso a minha filha mais velha resolveu ir aos bailes em um clube e eu tive que levar e buscar depois, nada que tenha me deixado revoltado. Enfim, carnaval pra mim é descanso, moleza, preguiça...

Mas já não é o mesmo

"Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções"
Carlos Lira/Vinícius (Marcha de quarta-feira de cinzas)

Só que agora o carnaval mudou muito. Já não se ouvem músicas 'de carnaval', a violência é uma preocupação constante, o modelo exportado de micaretas, bicaretas, picaretas pelo país afora e em épocas diferentes do ano. Virou uma indústria de milhões, como quase tudo o mais por aí. Já se foi a época em que era uma brincadeira inocente na rua, com bandinhas tocando marchas e as crianças enchendo a boca dos outros de confetes. Hoje a festa é profissional, planejamento, cordão de isolamento, desfile, som, iluminação, segurança (?), TV, transmissão. Hoje o carnaval não é mais festa, é investimento.

Culpa dos cariocas

"Enquanto a malandragem fazia a cabeça
O indicador do defunto tremia"
Bezerra da Silva (Defunto caguete)

Os cariocas se julgam 'donos' do carnaval, mas na minha humilde opinião são os responsáveis pelo início da esculhambação da festa. Tá, você pode argumentar que carnaval é, por definição, uma festa esculhambada, mas organizar esculhambação já é demais. Eu não concordo com o luxo das 'escolas de samba' (pô, precisa escola pra samba? E aquela máxima que diz que samba não se aprende na escola?!?), dos seus desfiles cheios de regras, competição com notas em que se contam centésimos de pontos, campeonato, plumas, paetês, propinas de empresas estrangeiras e orçamentos milionários. Além disso, todo esse esquema está nas mãos de traficantes, todo mundo sabe disso. Tráfico é crime organizado, muito mais organizado do que o nosso governo eleito. Tráfico é violência, morte, degradação. É isso o carnaval carioca, uma interface bonita para o lixo do Rio. Parece até o windows.

Culpa dos baianos

"Todo dia é de festa na Bahia
E o trio irradia alegria
Farol ilumina Salvador"
Netinho (Beijo na boca)

Cada um tem o carnaval que merece. Na Bahia apereceu a praga do axé, mistura indigesta dos ritmos afro-brasileiros com a mixórdia afro-espanhola do caribe. Ou seja, uma coisa inventada que ninguém mais sabe de onde veio nem pra onde vai (acho que eu ainda estou falando do windows...). Passa longe do samba. Foi exportado com os trios elétricos para todo o país, virou coisa de gente grande (grande de grana) e tomou conta. Agora até no Rio se faz carnaval com axé. Pior: os defensores de outros ritmos e estilos resolveram também botar as mangas de fora e o carnaval assumiu ares regionais: com raggae no Maranhão, com boi-bumbá no Pará, e sabe-se lá mais o que. Falta um carnaval em Mato Grosso do Sul com polca e chamamé, até que ia ser interessante...

Culpa da TV

"Porque o samba nasceu lá na Bahia, e se hoje ele é branco na poesia
Se hoje é branco na poesia, ele é negro e demais no coração"
Baden Powel/Vinícius (Samba da bênção)

Samba? Que nada! Já se foi o tempo. Não é samba o que se toca nos desfiles, nem nas fesas, nem nos clubes ou nas ruas. Arremedo do que já foi "o" ritmo do Brasil e do carnaval. O carnaval já não é festa popular, é festa da TV, dos políticos, dos camarotes, dos gringos, dos bandidos, das grandes empresas, das bichas, dos trios eléticos, dos computadores, da grana. O carnaval já foi. Agora é dormir, tomar cerveja e assar churrasco, que é melhor.

Culpa minha

"Sei que assim falando pensas que esse desespero é moda em 76
Eu quero é que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês"
Belchior (À Palo Seco)

Parece que eu vivi há cento e tantos anos a glória e a inocência dos passados carnavais e tive um surto de saudosismo, mas a verdade é que eu nunca gostei de bailes de carnaval. Não por isso nem aquilo, é que eu não gosto de nada que reúna muita gente. Quem me conhece sabe que eu sou meio eremita e estou piorando a cada ano. Gosto da solidão, me sinto bem comigo mesmo e a companhia de seres humanos cada vez menos me faz falta. Assim, nunca fui entusiasta de carnaval, mas eu gosto da idéia da coisa. Tá, não vou negar que já fui a festas, na minha adolescência e até depois disso, mas nunca me entusiaismei com a idéia. Ia, pra não parecer diferente do resto do mundo, ia na turma, mas achava aquilo tudo muito esquisito, muita gente suando e fedendo, uma briga ali, uma maconha aqui, um bando de machos loucos procurando mulher ou confusão... eu saía sempre sozinho, cansado, sujo, desgostoso. Quando eu descobri que eu não precisava IR no carnaval para ser normal foi a glória. Eu podia arrumar namorada de outro jeito. Eu podia me divertir ou até curtir o carnaval de outras formas. E sou assim até hoje. E estou piorando.